Quando a falta de pretexto é o melhor pretexto
Este é um dos meus poemas predilectos. O tema, a forma, o ritmo, cada palavra, tudo nele me parecem fabulosos. Há algum tempo que me apetecia partilhá-lo, mas, não sei bem porquê, nunca encontrei um pretexto convincente para o fazer. Faço-o agora, mesmo sem pretexto. Deixo-vos aqui apenas um excerto da parte final, porque ele é algo longo.
(TR)
Cântico negro
(...)
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais
ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!
José Régio em Poemas de Deus e do Diabo, 1925
4 Comments:
Noto na foto a influência da arquitectura de Siza Vieira.
Sublime, sim.
Obrigada - por partilhares, por não teres esperado mais por um pretexto.
Sou algo ignorante no que toca a poesia. Estupidez pura, reconheço, porque normalmente quando a ouço dita normalmente gosto.
Mas este conheço, e arrepio-me com ele. Acontece-me com alguns.
Confesso que ainda não conhecia... e é de facto lindo!
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