Thursday, November 09, 2006

As misérias da guerra


Esta é talvez a gravura mais terrível que eu já vi. É uma gravura de Jaques Callot de 1633. Trata-se de um excesso para denunciar outro excesso, a guerra. É a mais terrível de uma série de três (?) gravuras denominadas Les misères de la guerre. Talvez não se veja bem, não encontrei imagem maior, mas "nós" somos aqueles que estão a jogar dados sobre um tambor, do lado direito da imagem, à sombra da árvore. É precisamente assim que vemos a guerra - de longe - , creio não exagerar se disser - com indiferença - .

Ocorre-me que somos os únicos seres vivos que planeiam com antecedência matar o outro. Racionalmente preparamos com astúcia um comportamento todo ele irracional. Como se não bastasse, o que verdadeiramente nos comove nisto são os excessos, ou dito de outra forma, os efeitos colaterais, como se a guerra em si não fosse um efeito colateral ou um excesso da vida humana.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Essa indiferença é porque só temos tido guerra muito longe. Mas quando foi da guerra colonial ela desapareceu na maior parte das pessoas.
Aprendemos desde a origem da espécie a guerrear os outros para sobreviver.
Não estou a defender a guerra, mas como a acho tão atroz, tento arranjar razões para compreender o incompreensível.

5:30 PM  
Blogger TR said...

Caro Pirata, o meu propósito é banal. Lembrei-me disto por causa de uma conversa sobre o Callot, como me podia ter lembrado de outra coisa qualquer.

Desde sempre houve conflitos entre os homens e sempre foram resolvidos com guerras. Mas as guerras sempre tiveram regras; regras essas que têm "evoluído". Para além dos vectores que aponta - o técnico-militar; o político-financeiro; o filosófico(imagino que o filosófico signifique também religioso e cultural,será??) - há sempre um "lado" que escapa a isto. Esse "lado" é composto pelos excessos da guerra, pela quebra de algumas das regras elementares da guerra, isto é, por aquilo que verdadeiramente nos comove numa guerra, sendo que o que nos comove nada tem a ver com o conflito militar, a menos que estejamos mais ou menos directamente envolvidos na guerra. O pai que abraça o filho para não ser baleado enquanto são ambos assassinados quase em directo nas televisões ou os maus-tratos na prisão de Abu Graib, etc., são imagens que todos retemos na memória. Elas não representam a guerra, representam o excesso, elas representam verdadeiramente a parte que temos dificuldade em tolerar. Elas podiam ser, simplesmente, uma gravura de Callot. Uma imagem da guerra, do conflito em si, nunca seria motivo para uma gravura de Callot. O que Callot mostra não é a guerra em si, enquanto conflito com os vectores que aponta, mas sim os excessos da guerra. O que Callot mostra é que para matar homens não é necessário o terror daquilo que vemos na sua excessiva gravura. Concordo consigo, Pirata, a noção de excesso desaparece para quem está dentro da guerra; isso não invalida, nem desculpa, nem nos permite tolerar que para eliminar um homem seja necessário torturá-lo primeiro; não significa que para matar um homem indefeso, o obriguem a ver morrer os seus filhos primeiro. É este lado medonho; esta subversão das regras e do prórpio homem enquanto ser humano que Callot denuncia nesta e noutras gravuras.

É evidente que eu penso como o Pirata. Estes excessos sempre existiram. A questão é que hoje temos acesso a eles e eles chocam-nos. Como se acreditássemos que é possível uma guerra sem excessos e abuso de poder. Será possível?

As gravuras tinham sempre legenda. Esta, embora irónica é clara: "o crime horrível é em si mesmo intrumento de vergonha e de vingança". Parece-me muito claro.

9:18 PM  

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